A pressão que nunca pausa
O atendimento ao cliente impulsiona o dia a dia das empresas, mas, para quem está na linha de frente, o trabalho pode ser exaustivo. Agentes lidam com altos volumes de chamadas, roteiros rígidos e intensa carga emocional. Apesar do treinamento, muitos têm dificuldade em manter a performance sob constante vigilância. O resultado: um burnout crescente.
Pesquisas de Doellgast e O’Braddy (2020) mostram o peso desse fardo: 87% dos agentes relatam alto nível de estresse, e mais da metade sofre com exaustão emocional e problemas de sono. 70% apontam o monitoramento excessivo como uma das principais fontes de pressão, enquanto 83% enfrentam sistemas lentos ou falhos que tornam cada tarefa mais difícil. Quase 3 em cada 4 agentes relatam abuso de clientes, e roteiros rígidos somados ao medo de demissões corroem a sensação de controle. Os que sofrem maior pressão têm 2,5× mais absenteísmo e são 5 vezes mais propensos a pedir demissão.
Números-chave
- 87% dos agentes relatam alto nível de estresse.
- Mais da metade sofre com exaustão emocional e problemas de sono.
- 70% apontam monitoramento excessivo como fonte de pressão.
- 83% enfrentam sistemas lentos ou falhos.
- Quase 3 em cada 4 agentes relatam abuso de clientes.

A pressão raramente pausa. Agentes lidam com dezenas de conversas por hora, quase sem tempo de recuperação entre interações, muitas vezes com clientes já frustrados antes mesmo da ligação começar. “Quero falar com seu gerente” frequentemente surge antes do agente ter chance de dizer qualquer coisa — alimentando instantaneamente a ansiedade e o sentimento de impotência entre profissionais já sobrecarregados.

Como a IA Generativa está mudando o jogo
O papel da IA no atendimento ao cliente está evoluindo, de uma automação que substitui pessoas para uma inteligência que amplia capacidades humanas. Estudos de Gudipati (2025) mostram que a IA Generativa melhora todos os principais indicadores de contact centers:

Métricas-chave
- Tempo Médio de Atendimento (TMA) ↓ 35%
- Satisfação do Cliente (CSAT) ↑ 21%
- Duração do Treinamento (ATD) ↓ 40%
- Eficiência de Resolução ↑ 18%
Agentes que usam ferramentas de IA também relataram 28% mais confiança em suas atividades. Recursos como motores de sumarização, detecção de sentimento e recomendações em tempo real não apenas reduzem o tempo de chamada, eles restauram o foco e o controle. Esses sistemas transformam a sensação de “sempre sob pressão” em “sempre com apoio”, aliviando a carga cognitiva e elevando os índices de satisfação do cliente.
O duplo fio da IA: apoio vs. vigilância
A figura abaixo, baseada em Doellgast et al. (2023), analisa como agentes de contact centers nos EUA e Canadá percebem diferentes formas de adoção da IA. A pesquisa revela um ponto crucial: o impacto da IA muda radicalmente dependendo se ela é usada para apoiar (assistência e automação) ou vigiar (monitoramento e métricas) os funcionários.

Resultados-chave: 88% dos agentes nos EUA e 80% no Canadá já usaram ferramentas de IA, mas as reações variam muito conforme a aplicação. A IA voltada à automação de tarefas (chatbots e assistentes em tempo real) foi majoritariamente vista como positiva: 53% disseram que melhorou o atendimento, e 40% afirmaram que tornou o trabalho mais fácil.
Já a IA voltada à automação de gestão (monitoramento e pontuação de performance) foi percebida negativamente: 70% relataram aumento de estresse. Ambientes com uso intenso de IA apresentaram maior vigilância, carga de trabalho elevada e mais incidentes de abuso de clientes. Nesses contextos, agentes passam até 88% do tempo em chamadas, com apenas 14% de pausa entre interações (contra 33% em ambientes com menor uso de IA). Além disso, entre 60% e 65% dos trabalhadores temem demissões nos próximos dois anos devido à automação.
Esses dados revelam uma divisão clara: a IA pode aliviar o trabalho ou agravá-lo. O equilíbrio entre suporte e supervisão determina se a tecnologia será uma fonte de alívio ou uma nova origem de estresse.
As novas regras de saúde mental no trabalho no Brasil
O Brasil deu um passo decisivo em direção ao bem-estar corporativo. Em agosto de 2024, o Ministério do Trabalho publicou a NR-1, que introduz novas exigências para identificar, monitorar e avaliar riscos psicológicos nas organizações. As novas regras, válidas a partir de 26 de maio de 2025, demonstram o compromisso do governo em fortalecer a saúde mental no ambiente de trabalho.
A norma é transformadora: ela obriga empresas a envolver profissionais qualificados de saúde mental — como médicos do trabalho e técnicos de segurança — na avaliação e gestão dos riscos psicológicos. A medida segue a decisão da Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2022, de reconhecer o burnout como uma doença ocupacional, destacando seu impacto na produtividade global.
Segundo Fius (2024), é importante distinguir entre burnout e burn-on — dois estados igualmente prejudiciais.
- O burnout leva à exaustão total, frequentemente exigindo afastamento médico.
- O burn-on, por outro lado, ocorre em profissionais que aparentam alta produtividade, mas vivem sob ansiedade constante, medo de falhar e uma necessidade obsessiva de performar.
Reconhecer e tratar ambos os casos é essencial para a estabilidade das equipes. Ao incorporar a saúde mental à legislação trabalhista, o Brasil se posiciona como líder em prevenção de riscos psicossociais, ajudando empresas a reduzir rotatividade, proteger produtividade e construir ambientes mais sustentáveis.
Conclusão: transformando rotatividade em vantagem
- Os dados são claros: a rotatividade não é apenas um desafio humano, é um passivo operacional. Mas a resposta não está em mais vigilância, nem em automação pelo simples fato de automatizar. A solução está em criar sistemas inteligentes que trabalhem com as pessoas, não contra elas. Tratar a saúde mental como opcional já não é aceitável, ela virou métrica de negócio, não benefício de bem-estar.
- As empresas que prosperarão neste novo cenário serão aquelas que alinham adoção de IA com empatia, conformidade e cultura. Porque o futuro do atendimento ao cliente não pertencerá aos contact centers mais rápidos, e sim aos mais saudáveis e humanos. A IA deve apoiar agentes, não supervisioná-los. É o empoderamento, não o controle, que retém talentos.
